Opinião - Bernardo Guimarães: Mercados nos tribunais

Análise do autor Bernardo Guimarães: Impacto dos mercados no sistema judiciário

Existe uma ação judicial em andamento contra a Apple por vender telefones sem carregador. No ano anterior, foi aprovada uma lei pelo Senado que determina que os planos de saúde cubram tratamentos que não constem na lista da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). Recentemente, a ANS adicionou um medicamento de alto custo aos procedimentos cobertos pelos planos.

Esses exemplos ilustram algumas das intervenções realizadas pelo Legislativo, Judiciário e agências reguladoras nos mercados. Qual é o propósito dessas intervenções?

A princípio, pode-se pensar que o objetivo é favorecer as empresas e reduzir os gastos das famílias. Ao decidirem a favor dos consumidores, as leis, tribunais e agências estariam tornando os produtos mais baratos e diminuindo os lucros das empresas.

De fato, o efeito imediato de uma ação judicial é esse. Se a Apple for obrigada a fornecer um carregador para os compradores de iPhones recentes, haverá uma transferência de recursos da empresa para os consumidores.

No entanto, essas intervenções têm outros efeitos que vão além dessa questão final — e, portanto, possuem finalidades distintas da simples divisão de recursos entre empresas e consumidores.

Os preços dos bens e serviços dependem de diversos fatores, mas dois são particularmente importantes na maioria das situações: o custo e a reação da demanda em relação ao preço.

Quando há muita concorrência, a demanda reage fortemente ao preço. Nesses casos, um pequeno aumento no preço reduz significativamente a demanda. Por exemplo, um banco que tentar vender dólares 5% acima do valor de mercado não encontrará compradores.

Quando a concorrência é alta, o preço de venda se aproxima do custo, pois uma pequena redução no preço leva a um grande aumento nas vendas. Assim, é mais lucrativo praticar preços próximos ao custo (a venda de dólares a um preço elevado não traz lucro, pois não há compradores). Por outro lado, quando há pouca concorrência, é mais vantajoso vender com uma margem de lucro maior.

Mesmo assim, em todos esses casos, eventuais mudanças nos custos se refletem nos preços de venda. Essas mudanças podem levar algum tempo para ocorrer e podem ser percebidas apenas no lançamento da próxima versão do produto, mas elas ocorrem. Isso ocorre porque, se não houver alteração na concorrência, a margem de lucro esperada pelas empresas não tem motivo para mudar.

Se mais tratamentos precisarem ser cobertos pelos planos de saúde, os preços dos planos aumentarão. Caso o carregador precise ser vendido junto com o telefone e esse custo for relevante, o preço da próxima geração do aparelho refletirá esse aumento no custo.

Além disso, se a empresa considera que uma ação judicial futura aumentará os custos, ela levará isso em conta ao escolher o preço.

Pensando dessa forma, pode-se concluir que essas leis e ações não são insignificantes. Elas têm efeitos importantes, sejam positivos ou negativos.

As empresas possuem muito mais informações sobre os produtos que vendem do que os consumidores. Por exemplo, queremos que os restaurantes tomem as devidas precauções com a higiene. Quando precisamos da cobertura do plano de saúde, queremos receber o atendimento que achamos que compramos.

No entanto, não sabemos se as precauções de higiene foram de fato tomadas, nem temos conhecimento sobre quais tratamentos de saúde são importantes, valem o custo e gostaríamos de ter cobertura.

A regulação tem o objetivo de reduzir essas assimetrias de informação. As empresas devem fornecer aquilo que as pessoas acreditam estar comprando. No caso dos planos de saúde, isso é particularmente desafiador.

Portanto, as agências e os tribunais devem agir com esse propósito em mente. Intervenções restritas a esse objetivo contribuem para o bom funcionamento dos mercados.


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e informem que a fonte deste artigo é https://www1.folha.uol.com.br/colunas/bernardo-guimaraes/2023/10/mercados-nos-tribunais.shtml