A greve dos escritores de Hollywood, encerrada recentemente, merece atenção por ter levantado questões importantes sobre como regular o uso da inteligência artificial (IA) e como essa tecnologia afetará as relações no mercado de trabalho. Uma das razões mais relevantes para o movimento foi a preocupação dos escritores em perderem seus empregos e terem suas habilidades possivelmente desvalorizadas com o uso de linguagens generativas.
O fim da greve trouxe a garantia da manutenção de um número mínimo de empregos e maiores salários, mas os roteiristas conquistaram algo ainda mais valioso: novas regras sobre o uso da IA na indústria do entretenimento. As empresas foram proibidas de utilizar a IA para escrever ou reescrever roteiros, enquanto os autores podem optar por utilizar essa tecnologia como uma ferramenta.
Essa conquista será suficiente para proteger seus empregos à medida que a tecnologia evolui? Talvez sim, se a IA for utilizada nos próximos anos para aumentar a produtividade dos roteiristas e se eles permitirem que suas funções sejam ajustadas nesse processo.
Essas são duas condições cruciais não apenas para os roteiristas, mas também para todos os trabalhadores em um mundo em transformação. Atualmente, existem mais empregos do que no início do século 21. Ao mesmo tempo, muitas ocupações do passado desapareceram devido à tecnologia.
Normalmente, os empregos evoluem com o uso da tecnologia em vez de desaparecerem de uma vez. As tarefas mudam ao longo do tempo, até que a nova versão do trabalho não se assemelhe mais à antiga. De fato, o emprego anterior “desaparece”; no entanto, se essa evolução ocorrer com a incorporação das novas tecnologias, o trabalhador não desaparece.
O caso dos roteiristas é emblemático. As novas regras não estão sendo impostas de cima para baixo, mas sim negociadas. Os trabalhadores que têm experiência diária com a nova tecnologia devem contribuir para a discussão sobre como ela está auxiliando na produtividade, afetando a privacidade ou criando desafios. Vale ressaltar que os sindicatos desempenharam um papel crucial na implementação de outras tecnologias transformadoras, como a eletricidade, ajudando a moldar a indústria sem comprometer a segurança dos trabalhadores.
Uma questão relacionada à necessidade de regular e, ao mesmo tempo, não restringir todos os benefícios que as inovações tecnológicas podem trazer diz respeito a qual grupo de trabalhadores é mais afetado por essas inovações. Até agora, os trabalhadores mais qualificados têm se beneficiado mais da incorporação de tecnologia, pois ela complementa suas habilidades. Por outro lado, a IA generativa pode desempenhar funções exercidas por trabalhadores altamente qualificados: tarefas mentais e criativas em vez de tarefas físicas ou rotineiras.
Se os trabalhadores mais qualificados serão os mais afetados, será que investir em qualificação continuará sendo tão relevante quanto é hoje? Em relação aos roteiristas de Hollywood, uma vez que se acostumarem com o ChatGPT, eles precisarão dedicar menos horas para escrever a mesma quantidade de roteiros com a mesma qualidade.
Estudos já mostram que a qualidade e a velocidade de escrita aumentam quando as pessoas são treinadas para usar o ChatGPT de maneira eficaz. A IA generativa levará a um retorno crescente das habilidades humanas, e pessoas mais qualificadas tendem a estar mais bem preparadas para se adaptar às mudanças nos empregos, encontrando maneiras de garantir que suas habilidades sejam aprimoradas pela tecnologia, e não substituídas por ela.
O sucesso das negociações dos roteiristas também deve repercutir em outras formas mais tradicionais de emprego. Os negociadores do United Auto Workers (sindicato dos trabalhadores da indústria automobilística americana), por exemplo, estão buscando não apenas aumentos salariais, mas também investimentos na força de trabalho. O sindicato deseja garantir que uma parte dos lucros gerados pela transição de veículos movidos a gás para veículos elétricos seja investida na qualificação e realocação dos trabalhadores.
O fato é que o uso da IA apresenta grandes desafios em termos de regulamentação e de seus impactos no mercado de trabalho como um todo. As negociações observadas em Hollywood mostram que o debate está apenas começando, mas promete ser acelerado.
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e informe que a fonte deste artigo é https://www1.folha.uol.com.br/colunas/solange-srour/2023/10/greve-de-hollywood-traz-licoes-sobre-regulacao-da-inteligencia-artificial.shtml