Opinião - Maria Hermínia Tavares: Uma causa da humanidade

Em busca de uma causa humanitária: Reflexões de Maria Hermínia Tavares

Em vários países, as esquerdas debatem como conciliar seu compromisso tradicional com a redistribuição dos frutos do trabalho coletivo com a pauta identitária, que aborda a questão da equidade em outras esferas, como modelos de família, relações raciais, atitudes diante de diferentes gêneros, etnias e culturas.

Esse debate tem sido bastante acirrado, especialmente nos Estados Unidos. Prova disso são os recentes livros da filósofa Susan Neiman, intitulado “Left Is not Woke” (a esquerda não é identitária, em tradução livre), e do cientista político Yascha Mounk, intitulado “The Identity Trap” (a armadilha da identidade).

Assim como o economista francês Thomas Piketty compara a esquerda a uma casta de sacerdotes na antiga Índia, os dois autores destacam a origem da agenda identitária na elite universitária.

Os críticos apontam a falta de preocupação com as angústias dos trabalhadores mais carentes e das classes médias empobrecidas. Eles acreditam que é impossível conciliar essas duas formas de conceber a justiça social em um projeto politicamente viável e progressista.

No Brasil, essa discussão também começa a surgir em reação a manifestações extremas da retórica identitária, embora com contornos diferentes.

No PT, desde a sua fundação, as demandas por direitos de grupos específicos coexistem, mesmo com conflitos, com a luta contra a pobreza e as desigualdades de renda. Essas demandas também dão forma ao PSOL e foram representadas de maneira tensa no governo Lula 3.

O principal desafio desses grupos é encontrar maneiras de se comunicar com os muitos brasileiros que estão além das esquerdas. Apesar de deter a Presidência, a esquerda conta com o apoio de apenas uma pequena parcela da sociedade. A maioria dos brasileiros, que não se identifica com a esquerda, está sendo disputada pela direita reacionária, que mobiliza emoções em defesa de valores e tradições sob ameaça pelas lutas identitárias, mas se opõe a qualquer forma de justiça social, seja ela uma melhor distribuição de riqueza gerada socialmente, o tratamento respeitoso aos cidadãos negros ou o reconhecimento do direito dos povos indígenas às terras de seus ancestrais.

No discurso de posse como presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou que a defesa dos direitos humanos, incluindo as aspirações de diferentes minorias, é uma causa da humanidade, não apenas dos progressistas.

Porém, cabe aos progressistas encontrar maneiras de persuadir os demais sobre essa verdade elementar.


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