Juliana de Albuquerque: Grupos de leitura e a importância da convivência na construção do saber

Explorando a Importância da Convivência e dos Grupos de Leitura na Construção do Conhecimento: O Caso de Juliana de Albuquerque

No início do ano escolar, propus aos meus alunos do curso de graduação em filosofia a formação de um grupo de estudo. Comentei que ler um texto na companhia de colegas da mesma turma, bem como de estudantes mais avançados, que trabalham em seus projetos de mestrado e doutorado, poderia complementar os conteúdos ensinados em sala de aula e encorajar os mais tímidos a participar dos debates.

Sempre fui adepta de grupos de estudo e pesquisa e acredito que, talvez por estarmos reunidos em um número menor e sentados ao redor de uma mesa, em vez de em um auditório, a dinâmica ressalte ainda mais a importância da vivência comunitária na construção do conhecimento.

Enquanto em sala de aula um aluno pode disfarçar sua falta de preparo, permanecendo em silêncio e fingindo prestar atenção, em um grupo de leitura, se alguém estiver despreparado, todos sofrem, já que o debate não progride.

Da mesma forma, se alguém estiver mais preparado do que os outros, acaba assumindo a responsabilidade de ajudá-los a compreender melhor o material a ser discutido.

Os benefícios de um grupo de leitura bem organizado também são vantajosos para o professor. Assim como um aluno pode fingir prestar atenção em suas exposições, o professor também corre o risco de se apaixonar por suas próprias opiniões, tornando-se indiferente às críticas e aos comentários dos estudantes.

Fora da sala de aula, em um grupo de leitura, o professor não pode mais evitar as perguntas dos alunos. Afinal, a qualidade do debate depende da capacidade dos participantes de lidar com todo tipo de questionamento.

O aluno deve se sentir livre para expor seu conhecimento, apresentar suas dúvidas e desenvolver objeções ao texto, enquanto o professor deve estar sempre atento ao que é dito durante a reunião, destacando detalhes que possam ter passado despercebidos, corrigindo argumentos e estimulando o estudante a continuar desenvolvendo seu pensamento, além de apresentar diferentes abordagens para o mesmo texto.

Um exemplo disso: depois de uma longa e proveitosa reunião de nosso grupo de leitura, procurei lembrar de onde vem meu entusiasmo por esse tipo de atividade, pois, às vezes, quando converso com meus colegas, percebo que a maioria das pessoas prefere estudar sozinha.

Durante a graduação, participei de um grupo de estudos sobre a “Fenomenologia do Espírito” de Hegel. Levamos um ano para concluir a leitura do livro, mas até hoje me recordo de muitas das discussões que tivemos. Depois, tanto no mestrado quanto no doutorado, juntei-me a grupos para estudar e debater as obras de outros pensadores, como Leibniz, Nietzsche e Heidegger.

Além disso, já coordenei grupos de leitura sobre Goethe e atualmente coordeno um grupo de pesquisa sobre literatura e pensamento judaico, trabalhando com a obra de Isaac Bashevis Singer.

A presença dos grupos de leitura em minha vida nunca esteve restrita à discussão de temas diretamente relacionados à minha atividade profissional. Sempre encarei a leitura como uma atividade compartilhada. Muitas das minhas memórias de infância e adolescência envolvem a leitura e a discussão de um texto com meus pais, e acredito que meu interesse por grupos de estudo e pesquisa nasce exatamente dessa experiência familiar.

Lembro-me com muito carinho de umas férias em que não tínhamos dinheiro para viajar, e minha mãe sugeriu que lessemos “O Meu Pé de Laranja Lima”, de José Mauro de Vasconcelos. Depois foi a vez do meu pai incentivando que fizéssemos o mesmo com “Alexandre e Outros Heróis”, de Graciliano Ramos, e aos poucos fomos aumentando nossa lista de leituras. Líamos, conversávamos e meus pais também aproveitavam para me contar um pouco sobre suas vidas.

Esse foi um hábito que continuou em nossa família. Atualmente, estou lendo a obra de José Lins do Rego na companhia da minha mãe. Terminamos “Pedra Bonita” e “Cangaceiros” e, durante as próximas semanas, pretendemos embarcar no ciclo da cana-de-açúcar e reler “Menino de Engenho” e “Fogo Morto”.

Assim, deixo aqui a sugestão para que o leitor também tente, à sua maneira, participar de um grupo de leitura e pesquisa, transformando seu aprendizado em um momento de compartilhamento.

Não garanto que o grupo seja capaz de tornar todo estudo simples, mas reforço que é uma ferramenta interessante, capaz de nos ensinar sobre a importância da comunidade na construção do conhecimento.

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e informe que a fonte deste artigo é https://www1.folha.uol.com.br/colunas/juliana-de-albuquerque/2023/10/grupos-de-leitura-e-a-importancia-da-convivencia-na-construcao-do-saber.shtml