Milly Lacombe: O Palmeiras e o futebol pelos olhos de Luiz Gonzaga Belluzzo

Milly Lacombe: A visão de Luiz Gonzaga Belluzzo sobre o Palmeiras e o futebol

O futebol, enquanto provoca excitação nas pessoas, também pode levar à agressividade extrema. Ao ler um jornal esportivo, podemos perceber que ele intensifica a rivalidade e a oposição entre os clubes, pois não se trata apenas de uma competição esportiva, mas também de um campo de realização e frustração das aspirações. Minha eleição como presidente do clube me marcou profundamente. A torcida estava do lado de fora do local da votação. Eles gritavam e pediam para eu ir até eles. Fiquei muito emocionado, pois eram jovens, com idades entre 14 e 20 e poucos anos, que me abraçaram de uma forma que apenas um pai ou mãe seria abraçado. Isso revela que as torcidas organizadas preenchem uma função que a família e outras relações sociais não conseguem mais preencher. Na verdade, isso revela uma dimensão perversa da sociedade. Eles poderiam apoiar os clubes e se apaixonar de forma mais tranquila, mas essa paixão ansiosa faz parecer que o clube é a única coisa que merece seu afeto no mundo.

Quanto à seleção brasileira, minha análise é de que ela se distanciou da nossa cultura. Nosso futebol está longe de representar, dentro de campo, o que temos de melhor. O futebol atual retrata um Brasil institucional, conservador, dominado pela arrogância e pelo poder. O senhor concorda?

Suspeito que a queda do futebol brasileiro esteja relacionada à “racionalização” da formação dos jogadores. Expulsos da espontaneidade das partidas nas ruas e praias devido à urbanização caótica, os futuros jogadores foram transformados em autômatos pelas burocracias das escolinhas de base. Lembro-me de alguns jogadores que saíram dos campos improvisados das ruas para os gramados do futebol oficial, com seus nomes nos jornais e a esperança de chegar à seleção brasileira. Julio Botelho, o Julinho, Djalma Santos, Carbone, Idário, Waldemar Carabina, Rubens, Homero. Nos anos 50 e 60, São Paulo se transformava de uma capital de província em uma metrópole. Quando eu era menino e adolescente, e era fanático por futebol, via São Paulo como um enorme campo de futebol, interrompido por avenidas e arranha-céus. Jogava-se futebol nas ruas, becos, quintais, em todos os lugares. Nos fins de semana, eu ficava sentado em barrancos assistindo aos adultos jogarem bola. Durante a semana, nós, crianças, matávamos aula e nos reuníamos em terrenos baldios que simulavam campos de futebol. Algumas vezes, glorificávamos os gols marcados, outras vezes brigávamos por causa de faltas controversas. Socos e chutes eram trocados com lealdade e até mesmo amizade. No final, tudo terminava bem, exceto pelas fraturas de nariz.

Quais soluções poderiam existir para melhorar nosso futebol, além dos sistemas de Árbitro de Vídeo?

Querida Milly. Eu procurei em meus registros considerações que compartilhei com seu colega de colunismo, Juca Kfouri, anos atrás. Os clubes brasileiros são instituições híbridas, ao mesmo tempo amadoras e profissionais. Essa é a “natureza” atual deles, resultante de sua história. Qualquer tentativa de impor projetos tecnocráticos de engenharia social, sem levar em consideração essa “natureza” contraditória, está fadada ao fracasso. Também fracassarão as tentativas de eliminar sumariamente os adversários. Esse tipo de “solução final”, promovida por fanáticos em momentos históricos recentes, é eticamente condenável e também contraproducente do ponto de vista político e administrativo, como demonstrado pelas experiências recentes de autoritarismo nos clubes. O Palmeiras começou a trilhar um caminho em direção a processos mais democráticos, embora essa ousadia possa custar, como tem custado, a incompreensão deliberada e a manipulação de informações. Vamos concordar: a paixão pelo clube pode gerar atos de generosidade e entrega pessoal, mas também pode levar a comportamentos mesquinhos. É humano, muito humano. Nesse ambiente, é prudente respeitar a sabedoria do reformismo chinês: atravessar o rio saltando de pedra em pedra. Caso você não saiba, eu sou um reformista radical, posição que adotei após examinar cuidadosamente as experiências totalitárias do século 20. É preciso ter coragem e persistência para promover mudanças, mais do que inflar a alma com proclamações de rupturas improváveis.

O que o Palmeiras representa para o senhor?

E informe que a fonte deste artigo é https://www.uol.com.br/esporte/colunas/milly-lacombe/2023/10/26/o-palmeiras-pelos-olhos-de-luiz-gonzaga-belluzzo.htm


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