A ideia de “ser fiel” aos próprios sentimentos e desejos como justificativa para a traição é infantil e egocêntrica. Quando estamos em um relacionamento monogâmico e nossos sentimentos e desejos se opõem à manutenção do contrato, o melhor a fazer é repensar o formato da relação, questionar e expressar a insatisfação.
Compreendo que seja difícil, que tenhamos medo, ilusões e confusões, mas não posso concordar com a frase clichê de uma psicanálise amadora. O reconhecimento dos desejos e necessidades faz parte de um processo que não se limita ao prazer, mas também envolve dor, raiva, contradições e solidão.
A autoaceitação é um caminho longo e difícil. Então, de que “fidelidade a nós mesmos” estamos falando se precisamos mentir e dissimular para esconder o desejo por variação sexual, aventura, um escape da rotina da vida adulta? Se você age assim, já está sendo desleal consigo mesmo.
Outro absurdo é o título que sugere traição como a “salvação do relacionamento”. Por favor, isso é demais. O que reconecta um casal é a vontade de ambos de enfrentar os desafios da vida a dois, de aceitar a individualidade do parceiro, de encontrar um meio-termo, de investir no amor e acreditar, de maneira legítima, que essa união pode trazer satisfação, seja ela monogâmica ou não.
Sim, posso concordar, como mostra a pesquisa, que uma experiência extraconjugal pode aumentar a autoestima (36%), proporcionar crescimento e aprendizado pessoal (34%), realizar fantasias (33%) e ser uma espécie de “respiro” dentro do relacionamento oficial (18%).
No entanto, percebam que essas respostas se referem apenas ao infiel. São “benefícios” baseados em escolhas individuais e não do casal. Ressalto que os participantes da pesquisa são usuários do Gleeden, uma plataforma para relacionamentos extraconjugais e não monogâmicos. Portanto, trata-se de um resultado completamente enviesado.