Opinião - Ilona Szabó de Carvalho: A segurança pública depende de vontade política

Opinião – A importância do engajamento político na segurança pública

Lançado há 15 dias pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, o Programa Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas (Enfoc) é uma iniciativa necessária e importante. O programa possui uma abordagem integradora, reconhecendo o papel dos três poderes do Estado e dos diferentes níveis de governo.

O lançamento do programa é urgente, não apenas em função dos recentes episódios de demonstração de força de grupos criminosos em todo o país. A atual situação não é surpreendente, considerando os quatro anos de descontrole de armas, a promoção de práticas policiais violentas e ineficazes, e a expansão da influência da milícia, que possui relações com interesses políticos.

A questão do enfrentamento às organizações criminosas não é nova, e o Brasil tem adotado uma postura inconstante nesse aspecto. A desarticulação dos grupos criminosos por meio de estratégias inteligentes é uma questão crucial para a sobrevivência física, econômica e institucional do país. Não seremos um país desenvolvido se continuarmos sendo um país violento. Além da preocupação humanitária, a violência também representa um risco para os investimentos no país.

Portanto, é necessário estruturar e implementar o Programa Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas, fortalecendo-o com os eixos complementares do Plano Nacional de Segurança Pública de 2018. Já sabemos o que precisa ser feito, uma vez que diversas ações e resultados bem-sucedidos no Brasil e no mundo são conhecidos. No entanto, sua implementação efetiva depende da vontade política dos governos, sem considerações eleitorais.

O que parece impossível precisa se tornar possível, mesmo que seja um desafio. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 9% dos eleitores brasileiros são membros ou parentes de membros das forças de segurança. Portanto, para que qualquer plano nacional seja efetivo, há a necessidade de promover mudanças estruturais nas forças policiais, estabelecendo um sistema rigoroso de controle do uso da força e do combate à corrupção, além de enfrentar as relações suspeitas entre segurança pública e segurança privada. Sem abordar essas questões, será impossível interromper o ciclo de violência perpetrado por elementos corruptos das polícias, que contribuem para a expansão das redes de crime organizado, com influência nos poderes do Estado e vínculos com diferentes tipos de criminalidade.

Aqui não estamos falando de indivíduos, mas sim de um sistema corrupto de segurança pública que fomenta o crescimento e a consolidação das organizações criminosas, que hoje controlam os índices de violência e territórios em todo o país.

A responsabilidade de enfrentar essa situação é compartilhada. O governo federal deve oferecer os incentivos corretos, o Ministério Público deve exercer seu papel de controle externo e os governadores devem assumir sua responsabilidade.

O enfraquecimento das organizações criminosas também passa por uma mudança na política de drogas, que não pode ser tratada apenas como uma questão de costumes. Essa é uma agenda que envolve saúde e segurança. A descriminalização responsável do uso de drogas e sua regulamentação não devem ser alvo de disputas entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional. São os jovens negros, majoritariamente acusados de tráfico de drogas, que mais sofrem as consequências desse embate.

Além disso, é essencial abordar o sistema penitenciário no plano federal, visto que é nesse ambiente que as organizações criminosas surgem, recrutam membros e estabelecem suas leis para além das prisões. É fundamental garantir a proporcionalidade das penas, o cumprimento adequado da legislação de execução penal e a agilidade nos processos judiciais. Aceitar violações dos direitos humanos como algo normal não nos levará a uma realidade diferente.

É urgente um pacto nacional pela segurança pública, envolvendo governos, sociedade e empresas em uma ação coletiva para despertar a vontade política necessária. Somente assim conseguiremos enfraquecer o poder bélico, financeiro e territorial das organizações criminosas no Brasil.


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e informe que a fonte deste artigo é https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ilona-szabo/2023/10/a-seguranca-publica-depende-de-vontade-politica.shtml