Opinião - Morte Sem Tabu: Os pequenos lutos da vida

Reflexões sobre o inevitável: os momentos de perda, sem reservas

Há aproximadamente 20 anos, um amigo meu foi vítima de um assalto. Seu carro, celular e talvez um computador foram roubados. Naquela época, Belo Horizonte sofria com muitos sequestros-relâmpago e, ao escutarem sua história, as pessoas tinham a tendência de dizer: “você deveria agradecer que foi só isso”.

Essas palavras irritaram profundamente o meu amigo. Ele questionou por que deveria agradecer após alguém apontar uma arma para sua cabeça, roubar seus pertences e o abandonar no meio da rua. Para ele, ter sorte não era apenas evitar ser sequestrado e assassinado, mas sim não ser assaltado.

Recentemente, tenho enfrentado noites de sono perturbadas por crises alérgicas. Durante boa parte da minha vida, fui extremamente alérgico. Tenho lembranças terríveis de noites sem dormir em Petrópolis, minha cidade natal. Até hoje, sinto calafrios ao ver aquelas colchas com franjas nas pontas, que faziam parte desse cenário alérgico na serra.

Quando comecei a namorar meu atual marido, nós compartilhamos as experiências alérgicas que tínhamos, o que, sem dúvida, contribuiu para a solidez do nosso relacionamento. Ele costumava espirrar 10 vezes todas as manhãs, devido a uma forte alergia ao sol que havia enfrentado algum tempo antes. Decidimos buscar ajuda médica e fizemos um teste para identificar as alergias. Naquela época, consistia em algumas picadas no braço. Eu reagi a 9 das 10 substâncias testadas. Passamos seis meses em tratamento com remédios que me deixavam dormindo o tempo todo. Acordar para ir à faculdade se tornou um momento terrível. Eu contava as horas para voltar para a cama e dormir um pouco mais antes de começar o estágio. Os espirros matinais do meu marido diminuíram de 10 para 4. No começo, achei que meu tratamento não tinha sido muito eficaz, mas ao longo do tempo as coisas melhoraram. Porém, eu não poderia imaginar o que ainda estava por vir.

Pouco tempo depois, alguns dias antes do Réveillon, comecei a sentir uma coceira nos olhos. Essa coceira foi piorando gradualmente, até que percebi que minha visão estava ficando embaçada. Ao me olhar no espelho, notei que meu olho esquerdo, o único que tinha visão, estava inchado como se tivesse sido picado por uma abelha. Pensei que fosse apenas uma reação alérgica, tomei um antialérgico e sobrevivi. Mas depois de passar por esse mesmo episódio umas quatro ou cinco vezes, fui parar no hospital para receber uma injeção de Prometazina. Falei para a médica sobre minha suspeita de que eu tinha alergia a certos medicamentos, como dipirona, antigripais e anti-inflamatórios, que eu percebi ao longo dos anos provocarem a mesma reação em mim. Ela considerou isso preocupante. Parei de tomar medicamentos similares aos que eu sabia que tinha alergia, mas até hoje sou surpreendido com reações alérgicas. Alguém me disse: “você deveria agradecer, você tem sorte de não ter nada mais grave”. Os incômodos menores, como alergia a poeira e uma leve coceira, passaram a ser menos importantes diante do medo de morrer literalmente de uma reação alérgica. Mas durante a gravidez e nos primeiros meses após o nascimento da minha filha, experimentei os melhores 30 meses da minha vida sem alergias. Não tive nenhum espirro ou coceirinha. A única preocupação era o parto. E se eu tivesse alergia à anestesia? “Não se preocupe”, um amigo anestesista me disse. Estamos preparados para intervir em casos assim. Claro, por que eu deveria me preocupar em ter um choque anafilático enquanto um bebê tenta sair do meu ventre? Tudo correu bem, vomitei um pouco de morfina, mas nada grave. Como não podia tomar medicamentos para dor após a cesárea, tive que me contentar com um paracetamol. Sim, as dores mais fortes que enfrento na vida são aliviadas com paracetamol. Sempre senti que nós, alérgicos, não recebemos o reconhecimento social que merecemos. Ser um adulto funcional durante essas crises alérgicas é uma tarefa difícil. Mas eu deveria agradecer.

Há 15 dias, fui com minha mãe ao ortopedista. Ela tem sentido fortes dores nos ombros há algum tempo, mas elas se intensificaram durante a pandemia. Desde que teve os primeiros AVCs hemorrágicos em 2012, ela precisa fazer um esforço diário para lidar com as sequelas motoras. São necessárias sessões constantes de fisioterapia, terapia ocupacional e hidroterapia. A pandemia foi especialmente difícil para pessoas como minha mãe. Ela estava mais preocupada com os efeitos do vírus em sua já frágil saúde e nem sempre foi fácil tomar decisões entre arriscar a vida ou perder os anos de reabilitação que tanto lutou para conquistar. Durante minha gravidez e logo após o nascimento da minha filha, ela escolheu a primeira opção. Agora, o tempo está cobrando seu preço. As opções para tratar suas dores são limitadas e nenhuma delas é simples, e muito menos garantida. A parte mais difícil é que o braço que ela ainda consegue usar precisa ficar imobilizado por pelo menos 30 dias após uma cirurgia. Na prática, isso significa que ela precisa de ajuda em tempo integral. Essa situação a lembra do trauma de quando ela ficou hemiplégica por 40 dias, há 12 anos, durante seus AVCs. Enquanto observava o olhar desamparado dela, me peguei lembrando de quantas vezes, ao longo dos últimos 11 anos, ouvimos pessoas dizerem com convicção que ela deveria agradecer. O AVC hemorrágico, que corresponde a apenas 10 a 15% de todos os AVCs, possui uma taxa de mortalidade de até 56% em 30 dias. Somente 20% dos sobreviventes conseguem recuperar sua independência em 6 meses. Minha mãe voltou a dirigir aproximadamente cinco meses após os episódios. Em outras palavras, sua situação é igual a menos de 9% das pessoas que passam pela mesma experiência. Ela teve uma sorte incrível, e até hoje tem. Ela deveria agradecer? Foram dois acidentes vasculares cerebrais hemorrágicos, algo raro. E ainda mais raro aos 53 anos. Apesar de sua recuperação surpreendente, isso encerrou suas perspectivas de envelhecer com mais autonomia, apesar de todo o investimento em saúde ao longo da vida, como alimentação saudável, abstenção de tabagismo e álcool, e prática diária de exercícios físicos. Desde 2012, ela precisa comprometer grande parte do seu tempo em reabilitação e conviver com dores e medos diários.

Hoje, tivemos uma consulta com o neurologista que a acompanha desde então. Ele não expressou preocupação com a cirurgia em si, mas alertou que suas emoções têm relação com suas