A notícia é antiga, porém relevante: nas últimas horas, diversas redes sociais têm comentado sobre a relação amorosa entre Luísa Sonza e Chico Moedas. Caso eu não conhecesse Luísa Sonza, poderia pensar que o casal faz parte de um programa de comédia popular, como “A Praça é Nossa”: uma mulher que finge não entender e um homem obcecado por dinheiro.
Talvez os leitores mais atualizados tenham se surpreendido com o parágrafo anterior. A frase “Caso eu não conhecesse Luísa Sonza” pode parecer uma tentativa arrogante de me exibir, da mesma forma que “Caso eu não soubesse falar alemão” ou “Caso eu não soubesse navegar pelas estrelas”.
Luísa Sonza é uma das cantoras mais famosas do Brasil, o que não é uma novidade, mas como já mencionei, sou atualmente considerado velho — velho e de esquerda. Nós, os velhos de esquerda, ainda consideramos que a música popular brasileira se resume a Vinicius cantando com Maria Creuza. No entanto, quando um cantor sertanejo morre em um acidente de carro, há uma grande comoção popular que escancara a disparidade entre esse “popular” da comoção e o “popular” dos discos de vinil — o abismo que separa esses dois conceitos é o Brasil.
Curiosamente, ao invés de aproveitarmos esses acontecimentos para uma reflexão profunda sobre o país e tentarmos compreender quem são essas pessoas e as pessoas que as admiram, preferimos torcer o nariz. E então, Bolsonaro é eleito e ficamos atordoados, sem entender o que aconteceu. O que aconteceu foi que enquanto lamentávamos o fato de que o proletariado não ouve Vinicius de Moraes com Maria Creuza, “Lá fora, amor, uma rosa morreu. Uma festa acabou, nosso barco partiu. (…) O tempo passou na janela e só Carolina não viu”.
Você pode me chamar de Carolina. Pensando melhor, a esquerda hoje em dia realmente possui características de uma pessoa conservadora. Gregório Duvivier expressou isso de maneira semelhante em uma entrevista. Anteriormente, a direita era séria e a esquerda era oportunista. Agora, é a esquerda que se comporta como uma espécie de fiscal do mundo: enquanto discutimos pronomes masculinos e femininos voltados para o nosso próprio umbigo, a direita se diverte. (“Esses humoristas politicamente incorretos não têm graça nenhuma!”, bradamos. Realmente não têm graça. Mas quem os assiste pensa o contrário. Já a esquerda não conquista ninguém, apenas tenta impor suas ideias).
A notícia sobre Luísa Sonza me levou ao artigo dela na Wikipedia, onde encontrei informações sobre Whindersson. Foi aí que percebi que, embora eu soubesse há anos quem é Whindersson, nunca havia assistido a nenhum de seus trabalhos. Com um atraso de uma década, decidi assistir a um de seus stand-ups no Netflix.
E é incrível. Ele mistura elementos narrativos populares do Nordeste com o estilo dos comediantes americanos de stand-up, que não constroem piadas de forma cuidadosa como quem faz um origami perfeito (nada contra o origami perfeito), mas usam a vida como material, muitas vezes sem uma conclusão impactante, expondo suas próprias misérias para a plateia. Lenny Bruce. George Carlin. Richard Pryor. (Embora menos violento, é verdade). Como pude deixar de conhecer Whindersson por tanto tempo?!
A resposta é simples: eu vivo em uma bolha meio intelectual, meio de esquerda na zona oeste de São Paulo/ zona sul do Rio, onde cultuam a obra de alguém que fez um curta mudo em preto e branco assistido por apenas 37 pessoas e ignoram um dos maiores comediantes do Brasil. Não tenho nada contra os curtas mudos em preto e branco assistidos por 37 pessoas, o problema é que essas 37 pessoas (sendo 36 delas e eu) não conhecem Whindersson. Carolina, está na hora de acordarmos. Já passou da hora: o mundo continua passando na janela e só Carolina não vê.
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e informe que a fonte deste artigo é https://www1.folha.uol.com.br/colunas/antonioprata/2023/10/whindersson-e-vinicius-de-moraes.shtml